Maquina de Contos - Capitulo 4

<Capitulo 3

    David acorda muito bem, parece que nunca dormiu tão bem em toda a sua vida. Pela janela pouco aberta é possível ver um sol que brilha numa intensidade compatível com seu bom humor daquela manhã, sua cama esta tão confortável e receptiva que não o trocaria por nenhuma cama nova. Um vento leve e refrescante entra pela fresta da janela, levanta a cortina e sopra no rosto do David, que à recebe como se fosse um beijo de bom dia da natureza, se espreguiça na cama até chegar ao ponto do sono voltar, mas luta para levantar da cama... coça a cabeça tentando achar uma ordem para fazer as coisas e resolve abrir a janela.

    Um vento mais forte sopra porém ainda se mantém suave, as cortinas se levantam e David se lembra de porque começou o dia tão bem... como o despertar de uma criança ao lembrar que é manhã de Natal, David dispara até a cozinha e retira a folha sulfite que ainda estava presa a maquina. Ao reler tudo que escreveu no dia anterior se lembrou de tudo que aconteceu na noite anterior, mas havia bem mais naquela folha do que David havia escrito... todo o resto da noite anterior, que David não preencheu por estar com bloqueio criativo, neste momento estava preenchido com certos detalhes bem narrados... desde quando encontrou com Arthur no bar e toda aquela tensão, passando pelo momento que encontrou com o "empreendedor mirim" e terminando na sua volta com Gabriel e Arthur, tudo estava ali... sendo narrado  com certas modificações, mas com um estilo tão homogêneo que parecia que havia sido ele mesmo quem escreverá.
    David fica um pouco assustado, aquela maquina de escrever tem o poder de narrar sozinha tudo o que acontece com ele, ou talvez seja pior, talvez a maquina esteja criando o resto de sua história. como um escritor que cria o desfecho de suas histórias. poderia a maquina de escrever estar criando o desfecho de David? Nesse caso nosso protagonista poderia estar em perigo. Em algum momento a maquina de escrever poderia querer mudar o trajeto da história, acabar com a vida de um de seus personagens... acabar com sua própria vida.
    Muitos sentiriam medo, tentariam se desfazer daquela maquina de escrever, mas David em sua ambição exagerada via naquela maquina uma possível aliada... a cura para seus problemas de bloqueio, mas precisava saber se "ela" era a solução de seus problemas, ou a causadora. Releu mais uma vez e percebeu que um dos parágrafos não havia se realizado: aquele trecho que se referia a sua mulher não havia se realizado e pra falar a verdade, ao olhar a sua volta, com todos os cômodos vazios e todo aquele silêncio... faziam dias que sua mulher nem ao menos ligava pra ele, David pegou o telefone e foi para a sala pensativo, discou o numero e aguardou... a cada chamada David perdia a coragem, olhava agora para a maquina de escrever e até ela parecia reprovar sua atitude. Seu ego forte dizia erroneamente para si que não havia feito nada de errado e que não precisava dela para dar um jeito na sua "carência", só precisava de uma mulher que desse todo o carinho e atenção que estava necessitado... e a maquina de escrever estava ali pra isso.

    "A dama solitária vem passar uma noite inesperada com o escritor falido, não se sabe porque uma dama tão linda e - David pensou um pouco no que iria escrever mas não veio nada mais do que... - perfeita estaria desacompanhada e solitária. Após algumas conversas com assuntos interessantes jogados fora, ambos conseguem obter o melhor sexo de suas vidas..."

    David poderia escrever mais, ele sabe que poderia narrar cada detalhe do sexo bem do jeito que queria e tudo se realizaria, mas mais do que a noite perfeita, David pretendia saber o quanto a maquina de escrever conseguiria interpretar seus textos, por isso deixou meio vago, queria saber quanta autonomia a maquina tinha sobre a história que ele começou a escrever. Assim que parou de olhar o que escreveu, David colocou a folha de papel de volta na maquina de escrever e foi se arrumar, fazia muito tempo que não tinha um encontro e pra falar a verdade ele não fazia a minima idéia do que vestir. De qualquer forma estava tão animado que estava dançando ao ritmo de Psirico.
    O telefone tocou e David hesitou tentando adivinhar se era sua mulher ou não... e se fosse, a regra de etiqueta das D.R.s lhe permitia atender o telefone ou seu orgulho ainda falava mais alto? A verdade é que no terceiro toque David se desesperou ao imaginar que a qualquer momento os toques poderiam parar... correu atender o mais rápido possível.
    - Opa! David? vista seu melhor terno meu chapa... vamos aos negócios.
    David estranhou a voz, mas pelo assunto imaginou quem seria.
    - Arthur? Do que esta falando? achei que estaria de ressaca.
    - Não meu amigo! estou com um pouco de dor de cabeça, mas nada que não possa ser resolvido com bom humor e comprando a minha empresa de volta.
    - Você esta bebendo logo de manhã? - David perguntou um pouco alterado em partes por não ser a tão querida voz de sua mulher e em partes porque Arthur parecia alterado, histérico pelo telefone, podia até mesmo ouvir The Doors no fundo, tocando bem alto... Arthur não parecia sóbrio naquela manhã - como vai fazer isso? com que dinheiro?
    - Te explico no caminho... não temos muito tempo, em uns 5 minutos já devo estar na sua casa.
    David entrou em panico e correu vestir o melhor terno mofado que tinha no armário... toda essa correria e logo passou pela cabeça de David que não conseguiria o tão esperado sexo que havia sugerido na maquina de escrever... sem saber que ela já havia começado a digitar o resto do seu dia.

...

    O que havia acontecido e que estava sendo contado para David enquanto o mesmo comprava um terno novo na conta de Arthur era que, se comprometer, gastar mais do que devia e vender a empresa sem consultar seu sócio não foram as únicas coisas erradas que Arthur fez na sua gestão da empresa: desde o pagamento dos seus primeiros clientes foi desviando 10% do salario de cada funcionário e inclusive do seu salario para investir na bolsa de valores... Arthur era novo nisso e muitas vezes perdia dinheiro com isso por nem mesmo pesquisar ações que poderiam estar em alta ou em baixa. Arthur na madrugada teve a idéia "sóbria" de retirar todo esse dinheiro do investimento e, somando com o dinheiro que ganhou vendendo a empresa agora poderia fazer uma oferta de 50% a mais do que foi vendida... Arthur pretendia gastar cada centavo se fosse preciso para redimir seu ato e estava disposto a fazer isso naquela festa.
    - Já contou para Gabriel sobre tudo isso? - David perguntava enquanto passavam pelos portões da festa. O lugar era uma mansão luxuosa, com decorações que remetiam aos palácios da Grécia antiga, mas com muita iluminação, todos vestidos de forma elegante e com taças de champanhe a mão, era uma festa de negócios e por esse motivos haviam grupos e mais grupos conversando entre si com alguma sinfonia de Beethoven tocando ao fundo.
    - Claro que não, quero fazer uma surpresa pra ele.
    - Não tenho certeza de que ele vai gostar de tudo isso...
    - E por que Gabriel não gostaria de ter a empresa de volta? - Arthur perguntou já pegando uma taça de champanhe e procurando o empresario alvo. Aquela festa geralmente era organizada para esse tipo de negócio: conhecer novos empresários, trocar experiencias e fazer negócios. Arthur vendeu a empresa em uma dessas festas de negócio.
    - Bom... deixa pra lá -  David pensou em explicar para Arthur o quanto Gabriel parecia ser altruísta demais para poder aceitar a empresa numa boa mesmo sabendo com que dinheiro que foi comprada, mas resolveu permanecer em silêncio.
    Novamente não havia nenhum bom senso nas atitudes de Arthur, havia uma falta de tato imensa com as pessoas que era perturbador... uma ignorância ou deficiência no seu lado ético fazia com que tomasse as atitudes necessárias para que as pessoas que gostasse fossem beneficiadas por seus atos.
    - Se me der licença, preciso me retirar... Meu alvo me aguarda. - Arthur disse apontando para uma sala mais reservada com alguns homens de negócio muito mais velhos que ele. David tentou argumentar, uma vez que não mais se sentia a vontade naquele lugar, mas Arthur já havia entrado na sala.
    David se sentou em uma das mesas perto do buffet, com uma bela taça de champanhe, mas que só estava servindo de enfeite, pois sentia vontade de beber, mas não naquele lugar, já não pertencia mais a aquele mundo... não mais se sentia a vontade ali, sabia o quanto aquele mundo é traiçoeiro e movido pelo dinheiro e luxo, definitivamente não mais sentia vontade de estar ali.
    - Parece que também não esta gostando da festa, amigo... - Disse uma mulher sentando-se na mesma mesa de David.
    - Uma festa para comemorar e praticar a falsidade entre eles, "compro sua amizade com o seu dinheiro".
    - Nem me fale, um tumulto de interesses... só pra ver quem consegue tirar mais dinheiro do outro, sinceramente estou apostando no "sindicato das divorciadas furiosas" - Disse a dama apontando para um circulo de senhoras tipicamente fofoqueiras - era para eu estar lá, mas já não aguento mais tanta fofoca!
    David olhou para ela por alguns segundos, reparando nos detalhes como o salto alto, vestido vermelho longo que acentuava levemente seus seios e que deixava boa parte das suas costas desnudas, mas na verdade ela também não parecia pertencer aquele local, sua postura sentada na mesa parecia mais com uma jovem frequentadora de baladas do que uma divorciada granfina.
    - De fato, você não parece pertencer a este lugar. - David disse como se estivesse dizendo para si mesmo.
    - Talvez eu não pertença mesmo a lugar nenhum - falou ela um tanto séria - é um mundo guiado de aparências, meu amigo, talvez eu seja a exceção... Meu nome é Lilian, e o seu?
    - David de Oliveira, mas o que quis dizer?
    - Nada, vamos mudar de assunto, afinal esta é uma festa e a nossa conversa ta muito deprê.
    David se sentiu a vontade perto dela, e ambos viraram reféns um do outro uma vez que não sentiam simpatia por nenhum outro ser da festa. Beberam o que gostariam de beber, conversaram bastante sobre todas as coisas que a etiqueta numa festa como aquela proibia, riram muito falando mal dos costumes dos ricos. Apesar disso muitas vezes, mesmo enquanto Lilian sorria, David percebia em seu olhar um toque de tristeza, mas sua embriaguez não deixou assimilar o porque... David nem chegou a sentir falta de Arthur e deixou a festa junto com Lilian aos beijos e abraços com pegada fortes e excitantes, sem chegar ao seu raciocínio turvo de que ela seria a tal "dama solitária".

Autor: Vinícius Pacheco Silva

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